Escravidão,
fazenda e charqueada
MÁRIO MAESTRI
Os historiadores divergem sobre a importância do trabalho escravizado na atividade pastoril, base fundamental da produção sulina até fins do século 19. Problema de difícil resolução, sem estudos monográficos sobre as diferentes regiões criatórias durante o século e meio de escravismo sulino.
Porém, algumas determinações gerais enquadram a questão. Inicialmente, é imprescindível compreender a forte distinção entre as fazendas chimarrãs e as fazendas crioulas ou de rodeio, realidade própria de toda a região da bacia do Prata.
Nas fazendas chimarrãs, de grandes dimensões, o gado vivia selvagem e semisselvagem e era abatido, em geral sur-place, pelo couro, sebo e graxa.
Viajantes da Província do Rio Grande do Sul – Debret |
Essas propriedades exigiam poucos trabalhadores, ainda que sustentassem comumente população excedente, em razão do subaproveitamento das carnes. As fazendas de rodeio, de menores dimensões, surgidas sobretudo após a gênese da produção charqueadora de grande porte, nos anos 1870, exigiam esforço relativamente mais intensivo e um número menor de braços. A mercantilização das carnes determinava uma maior racionalização da produção e do uso do braço do trabalhador. Foram especialmente essas últimas estâncias que determinaram a história do Rio Grande do Sul, por mais de um século.
Os gados vacum, cavalar e muar eram originários sobretudo dos animais introduzidos pelos jesuítas, na margem direita do Uruguai, e pelos espanhóis de Buenos Aires na margem setentrional do rio da Prata . Nas estâncias, invernadas e vacarias missioneiras, esse gado se reproduziu abundantemente em razão das excepcionais condições naturais – poucos animais predadores; inverno e verão benignos; pastos, aguadas e capões abundantes, etc. Nas Missões, o trabalho pastoril era feito a cavalo e reduzia-se, no essencial, à vigilância e ao amansamento dos rebanhos realizados pelos “posteiros” – famílias de missioneiros.
Charruas civilizados (peões) – Debret |
Após a introdução dos animais no sul da América, as comunidades nativas pampianas – charruas e minuanos, sobretudo – passaram a se servir com grande habilidade do cavalo e a praticar a caça ao gado, pela carne e pelo couro. A técnica da doma em campo aberto, o laço, o churrasco, o mate, o poncho, o pala e o tirador, as boleadeiras foram invenções dos cavaleiros missioneiros e pampianos. No Sul, no geral, a criação, as técnicas e os hábitos pastoris foram continuação do período missioneiro. Nos séculos 18 e 19, missioneiros e nativos pampianos constituíram os primeiros vaqueiros sulinos e importante reserva de mão de obra.
Apesar da evolução conhecida durante os 150 anos de escravismo sul-rio-grandense mesmo nas fazendas de rodeio, as atividades pastoris apoiaram-se essencialmente na reprodução natural extensiva dos animais. Em virtude da experiência cultural, das determinações do meio e das condições materiais de produção, as técnicas criatórias pastoris luso-brasileiras continuaram a tradição missioneira, sem modificações essenciais, a não ser no que se refere às relações sociais de produção.
Rio Grande do Sul – Debret |
As grandes fazendas extensivas dominaram sempre a produção pastoril. Nos anos 1830, o francês Nicolau Dreys lembrava a importância das divisas naturais: “Estância perfeita, e que mais segurança oferece [...] é aquela que é cercada por limites naturais, como morros íngremes, matos impenetráveis, e melhor que tudo, rios profundos, pois dali não pode sair o gado vagabundo [...].” Apenas a partir dos anos 1870 os campos começariam, lentamente, a ser cercados com arame, primeiro liso, a seguir farpado, criando-se um maior número de potreiros, invernadas e campos.
Armazém de charque – Debret |
FONTES
MAESTRI, Mário. BREVE HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL da Pré-História aos dias atuais - Passo Fundo 2010. Editora Universidade de Passo Fundo
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